Flagelos Coletivos
Por Neide Aparecida Fonseca
Toda divida tem que ser paga até o último ceitil. Porém
disse Jesus aos discípulos: É impossível que não venham escândalos,
mas ai daquele por quem vierem! (Lucas, 17.1)
Entra ano e sai ano e a cena se repete a cada inicio de janeiro.
Chuvas torrenciais, e lá se vão sonhos, vidas.... E as nossas autoridades públicas lamentam.
Prometem isso e mais aquilo para o ano. Decretam estados de emergência, de uma emergência que já se fez anunciada ha anos, porém continua em compasso de espera.
É bem verdade que a Doutrina dos Espíritos nos ensina a todos que:
“Preciso é que tudo se destrua para renascer e se regenerar. Porque, o que chamais destruição não passa de uma transformação, que tem por fim a renovação e melhoria dos seres vivos.” (Questão 728 O Livro dos Espíritos).
Vivemos um tempo de transformações profundas. O planeta Terra esta em plena atividade para subir mais um degrau na escala evolutiva, saindo de Provas e Expiação para um mundo de Regeneração.
É bem verdade também que essa mudança se fará com dores e ranger de dentes. “Assim como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será na consumação deste mundo”. (Mateus, 13, 36 a 43).
Chuvas e outros eventos como maremotos, etc., são próprios da Lei da Natureza, contudo há eventos naturais que são potencializados pela intervenção humana e Deus se aproveita disso para fazer cumprir sua Lei, e fazer a humanidade avançar mais depressa. (Questão 737 L.E.)
Ainda é bem verdade, que o Espiritismo nos explica perfeitamente a causa dos sofrimentos coletivos. “O algoz expia o mal que fez a sua vitima, quer no espaço onde a vê diante de si, quer em uma ou várias existências sucessivas, vivendo em contato com ela até à reparação total do mal praticado. O mesmo acontece no caso de crimes cometidos de comum acordo por um grupo de pessoas”.(Clélie Duplantier - Obras Póstumas pg. 172).
Os espíritos chamam a esses eventos de expiações solidárias, não significando, contudo, que não se possa ao mesmo tempo ocorrer expiação individual. O Pai a tudo aproveita.
É Humberto de Campos quem ilustra esse nosso artigo com o seguinte exemplo: “Tragédia no circo” “Naquela noite, da época recuada de 177, o “concilium” de Lião regurgitava de povo. Não se tratava de nenhuma das assembléias tradicionais da Gália, junto ao altar do Imperador, e sim de compacto ajuntamento.
Marco Aurélio reinava, piedoso. Embora não houvesse lavrado qualquer escrito em prejuízo maior dos cristãos, permitira se aplicassem na cidade, com o máximo rigor, todas as leis existentes contra eles. A matança, por isso, perdurava, terrível.
Ninguém examinava necessidades ou condições. Mulheres e crianças, velhos e doente, tanto quanto homens válidos e personalidades prestigiosas, que se declarassem fiéis ao Nazareno, eram detidos, torturados e eliminados sumariamente.
Através do espesso casario, a montante da confluência do Ródano e do Saône, multiplicavam-se prisões, e no sopé da encosta, mais tarde conhecida como colina de Fourviére, improvisara-se grande circo, levantando-se altas paliçadas em torno de enorme
arena.
As pessoas representativas do mundo lionês eram sacrificadas no lar ou barbaramente espancadas no campo, enviando-se os desfavorecidos da fortuna, inclusive grande massa de escravos, ao regozijo público.
As feras pareciam agora entorpecidas, após massacrarem milhares de vítimas, nas mandíbulas sanguinolentas. Em razão disso, inventavam-se tormentos novos.
Verdugos inconscientes ideavam estranhos suplícios.
Senhoras cultas e meninas ingênuas eram desrespeitadas antes que lhes decepassem a cabeça, anciães indefesos viam-se chicoteados até a morte. Meninos apartados do reduto familiar eram vendidos a mercadores em trânsito, para servirem de alimárias domésticas em províncias distantes, e nobres senhores tombavam assassinados nas próprias vinhas.
Mais de vinte mil pessoas já haviam sido mortas.
Naquela noite, a que acima nos referimos, anunciou-se para o dia seguinte a chegada de Lúcio Galo, famoso cabo de guerra, que desfrutava atenções especiais do Imperador por se haver distinguido contra a usurpação do general Avídio Cássio, e que se inclinava agora a merecido repouso.
Imaginaram-se, para logo, comemorações a caráter.
Por esse motivo, enquanto lá fora se acotovelavam gladiadores e jograis, o patrício Álcio
Plancus, que se dizia descendente do fundador da cidade, presidia a reunião, a pedido do
Propretor, programando os festejos.
- Além das saudações, diante dos carros que chegarão de Viena – dizia, algo tocado pelo vinho abundante -, é preciso que o circo nos dê alguma cena de exceção... O lutador Setímio poderia arregimentar os melhores homens; contudo, não bastaria renovar o quadro de atletas...
- A equipe de dançarinas nunca esteve melhor – aventou Caio Marcelino, antigo legionário da Bretanha que se enriquecera no saque.
- Sim, sim... – concordou Álcio – instruiremos Musônia para que os bailados permaneçam à altura...
- Providenciaremos um encontro de auroques – lembrou Pérsio Níger.
- Auroques! Auroques!... – clamou a turba em aprovação.
- Excelente lembrança! – falou Plancus em voz mais alta – mas, em consideração ao visitante, é imperioso acrescentar alguma novidade que Roma não conheça...
Um grito horrível nasceu da assembléia: - Cristãos às feras! cristãos às feras!
Asserenado o vozerio, tornou o chefe do conselho:
- Isso não constitui novidade! E há circunstâncias desfavoráveis. Os leões recém-chegados
da África estão preguiçosos...
Sorriu com malícia e chasqueou:
- Claro que surpreenderam, nos últimos dias, tentações e viandas que o própio Lúculo jamais encontrou no conforto de sua casa...
Depois das gargalhadas gerais, Álcio continuou, irônico:
- Ouvi, porém, alguns companheiros, ainda hoje, e apresentaremos um plano que espero resulte certo. Poderíamos reunir, nesta noite, aproximadamente mil crianças e mulheres cristãs, guardando-as nos cárceres... E, amanhã, coroando as homenagens, ajunta-las-emos na arena, molhada de resinas e devidamente cercada de farpas embebidas em óleo, deixando apenas passagem estreita para a liberação das mais fortes. Depois de mostradas
festivamente em público, incendiaremos toda a área, deitando sobre elas os velhos cavalos
que já não sirvam aos nossos jogos... Realmente, as chamas e as patas dos animais formarão muitos lances inéditos...
- Muito bem! Muito bem! – reuniu a multidão, de ponta a ponta do átrio.
- Urge o tempo – gritou Plancus – e precisamos do concurso de todos... Não possuímos guardas suficientes. E erguendo ainda mais o tom de voz:
- Levante a mão direita quem esteja disposto a cooperar.
Centenas de circunstantes, incluindo mulheres robustas, mostraram destra ao alto, aplaudindo em delírio.
Encorajado pelo entusiasmo geral, e desejando distribuir a tarefa com todos os voluntários, o dirigente da noite enunciou, sarcástico e inflexível:
- Cada um de nós traga um... Essas pragas jazem escondidas por toda a parte... Caçá-las e exterminá-las é o serviço da hora...
Durante a noite inteira, mais de mil pessoas, ávidas de crueldade, vasculharam residências
humildes e, no dia subseqüente, ao Sol vivo da tarde, largas filas de mulheres e criancinhas, em gritos e lágrimas, no fim de soberbo espetáculo, encontraram a morte, queimadas nas chamas alteadas ao sopro do vento, ou despedaçadas pelos cavalos em correria.
Quase dezoito séculos passaram sobre o tenebroso acontecimento... Entretanto, a justiça da Lei, através da reencarnação, reaproximou todos os responsáveis, que, em diversas posições de idade física, se reuniram de novo para dolorosa expiação, a 17 de dezembro de
1961, na cidade brasileira de Niterói, em comovedora tragédia num circo”.
Outra ocorrência coletiva é desvendada pela mediunidade de Francisco Candido Xavier – O incêndio do Edifício Joelma (fevereiro de 1974). Todas as vitimas eram egressas do tempo das Cruzadas (período de janeiro 1095 a 1272), onde haviam adquiridos débitos enormes terminando por quitá-los no referido incêndio, como consta no Livro “Dialogo dos vivos”
Sem sermos fatalistas ou conformistas, o que vemos é a lei de ação e reação atuando sob a regência da Divindade. De modo que a Doutrina Espírita que tem como proposta reviver o cristianismo primitivo, incentiva a seus adeptos que se solidarizem com os flagelos coletivos, tanto quanto com os individuais. Porque aprendemos que devemos amar ao próximo como a nos mesmos e que o exercício da caridade é a maior das virtudes.
Mobilizamos então todas as nossas energias para minimizar o sofrimento dos que ficaram e elevemos nossos pensamentos em prece em prol dos que fizeram a viagem para a outra dimensão da vida.
Embora entendamos que as águas do mês de janeiro estão sendo aproveitadas para resgates coletivos, pois que o mal é o remédio. Não podemos deixar de observar que as autoridades políticas do nosso país têm sua cota de participação na tragédia.
Seja pela ação ou pela omissão é evidente que as nossas autoridades potencializaram o flagelo, tanto de São Paulo, Rio de Janeiro como de Minas Gerais. Eles serão responsabilizados não restam dúvidas, pela administração inadequada, mas, são da mesma forma dignos de nossa piedade, posto que nos asseverou Jesus: É impossível que não venham escândalos, mas ai daquele por quem vierem!